SÃO BRANDÃO

Mapa de Benincasa (de 1482) mostrando Antilia, São Brandão e outras ilhas imaginárias.

 

 

SÃO BRANDÃO NA CARTOGRAFIA

Na carta Veneziana dos irmãos Pizzigani de 1367, na de um Anconitano, cujo nome está apagado, conservada na biblioteca de Weimar e com a data de 1424, na do Genovês Beccaria de 1435, aparece na região do Arquipélago da Madeira, um grupo de ilhas intituladas de "Ilhas Afortunadas de São Brandão".

"DESCOBRIMENTO" DA ILHA DE SÃO BRANDÃO

Foram vários os navegadores que escreveram ter acostado à dita ilha: três portugueses de Setubal, dois cujo nome não consegui identificar, e o piloto Pero Velho, que já tinha feito várias viagens ao Brasil.

EM BUSCA DO PARAÍSO

A história da navegação de São Brandão é a da busca do paraíso: a deambulação para um "outro local", através de um mar banhado pelos sóis do Além, uma navegação povoada por anjos, pássaros, monstros e demónios, à procura da "ilha prometida aos santos", ou seja, do Paraíso.

Esta busca do Paraíso, bem expressa na procura do Preste João, encontra nesta lenda da ilha de São Brandão, mais uma das suas expressões. Apesar dos factores reais da expedição do Santo que podem existir por detrás da lenda e que reflectiriam os resultados de uma verdadeira expedição ao extremo norte do Atlântico e até às Canárias, o elemento mítico assume aqui uma grande importância pelo menos quanto ao objectivo da expedição, que era nada mais nada menos, que o Paraíso. As provações que o Santo e os seus companheiros passam no mar não são mais do que uma iniciação que os prepara para esse fim glorioso.

BIOGRAFIA SUMÁRIA DE SÃO BRANDÃO

A existência de São Brandão está relativamente provada. Nasce na Irlanda em 484. Evangelizara o País de Gales e as Hébridas, funda um mosteiro, faz ainda uma viagem às Hébridas e acaba por falecer aos 93 anos.

Parte do Pareto de 1455 que representa as Antilhas, São Brandão, Daculi entre outras ilhas imaginárias.

 

SERIA TECNICAMENTE POSSÍVEL UMA TAL NAVEGAÇÃO ?

A possibilidade técnica destas navegações no século V d.C. está mais que provada, assim como estão provadas as viagens Cartaginesas até ao Mar dos Sargaços (Ver a narrativa de Hanon), a descoberta de moedas cartaginesas nos Açores e de moedas tardo-romanas na Venezuela (achados referidos por Boxer, no seu "Império Colónial Português") e a descrição que Gama de Barros fez de uma estátua equestre encontrada na ilha do Corvo e que tinha gravados sinais que ele interpreta como sendo Fenícios. Aliás, trataremos destes assuntos num outro capítulo.

Desde a Idade do Bronze que os Irlandeses se interessaram pelo mar. Este interesse natural foi intensificado durante os primeiros tempos do cristianismo, com a sua busca de refúgios monásticos em ilhas deserticas. Também se contam lendas de indivíduos banidos por crimes para o oceano, onde terão encontrado ilhas maravilhosas.

De acordo com as primeiras narrações da lenda de São Brandão, o santo procurava apenas uma ilha onde ele e os seus acolitos podessem viver em retiro. Outros religiosos o haviam precedido nessa mesma busca: A "Vita Sancti Albei" relata que Albei e os seus companheiros procuravam a solidão numa ilha acima da de Thule (26). De acordo com a narrativa do Santo, este e a sua tripulação passavam todos os natais com Albei no seu mosteiro, onde este esperava calmamente o Dia do Juízo Final.

Relatos mais tardios colocam o santo a velejar em busca do paraíso ocidental que Albei terá visitado, numa confusao óbvia do relato anterior. São Brandao, navegando num Coracle (pequeno barco de couro tipico da Irlanda) descobriu que não podia atingir o seu objectivo devido a um tabu que impedia alguem de atingir a santa ilha se navegasse sobre a pele de animais mortos. Por isso o santo e os seus transferem-se para um navio de madeira, e uma vez isso feito, não tem qualquer dificuldade em encontrar o paraíso ocidental (27). Contudo este tabu não parece ter a ver com um qualquer tabu da cultura irlandesa, com efeito, a lenda dos irmãos Ross, banidos depois de terem sido acusados do assassinato de um rei, atingem o paraíso sem problemas onde encontram dois macacos. Ora quer os Ross quer os dois macacos atingem este paraíso ocidental em barcos de couro.

O ARQUIPÉLAGO AÇORIANO COMO "ILHAS AFORTUNADAS DE SÃO BRANDÃO"

Samuel Eliot Morison (84) discorda da associação que alguns defendem existir, entre as ilhas alegadamente descobertas por São Brandão e o arquipelágo açoriano. Chama a atenção para o facto de, que as ilhas traçadas nos mapas, com a designação "Insulae Fortunatae sive Sancti Brandani" (ilhas afortunadas ou de São Brandão), estão dispostas no sentido norte-sul, enquanto os Açores se estendem de leste para oeste; também a sua localização fica a menos de meia distância dos Açores em relação ao Continente; nenhuma delas corresponde em tamanho relativo, ou em posição ao grupo açoriano; por fim, em nenhuma delas está representado o imponente Pico que não deixaria de impressionar qualquer descobridor e que surgiria no mapa desse descobrimento (84).

O almirante Gago Coutinho tem a mesma opinião de S. E. Morison, chamando a atenção para o facto de o arquipélago representado nos mapas antigas sob o nome "ilhas afortunadas de São Brandão", ser puramente mítico, fruto da mistura de várias lendas, desde a clássica narrativa de São Brandão, passando pelas Ilhas Afortunadas da mitologia Clássica e até pelos relatos de maravilhas orientais (85).

VERSÃO LISMORE

O Livro de Lismore, datado do século XV, trata-se de uma compilação de materiais muito mais antigos. No início desta obra, indica-se que o Santo: "desired to leave his land and his country, his parents and his fatherland, and he urgently besought the Lord to give him a land secret, hidden, secure, delightful, separated from men. Now after he had slept on that night, he heard the voice of the angel from heaven, who said to him, "Arise, O Brenainn." saith he, "for God hath given thee what thou soughtest, even the Land of Promise" ... and he goes alone to Sliab Daidche and he saw the mighty intolerable ocean on every side, and then he beheld the beautiful noble island, with trains of angles (rising) from it."

T. J. Westropp acreditava que esta versão da lenda do Santo era a mais antiga, provávelmente mesmo a original, tese de que Babcock discordava.

VERSÃO MAIS RECENTE

Enquanto a versão Lismore refere que Santo Brandão terá sido inspirado para começar a sua viagem, uma outra versão atribui a iniciativa a um abade amigo de Brandão, o qual terá levado o santo a procurar uma ilha "logo abaixo do Monte Atlas". Aqui, um predecessor, Mernoc, ter-se-ia recolhido, naquilo que é designado como a "primeira casa de Adão e Eva", isto é, o Paraíso. Com efeito, a cadeia do Atlas percorre a costa atlântica do Marrocos, terminando perto das Ilhas Canárias.

A narrativa desta versão é mais detalhada e longa que a Lismore. Algumas referências parecem indicar ilhas das Canárias: "They saw a hill all on fire, and the fire stood on each side of the hill like a wall, all burning." É igualmente assinalado um desembarque num território, aparentemente continental, no qual o santo e os seus companheiros terão penetrado durante catorze dias pelas margens de um rio de onde trouxeram frutos e jóias. A tratar-se das Canárias, o continente só poderá ser o norte de África, óbviamente.

VERSÃO NORMANDA FRANCESA

Esta versão foi escrita para o rei Henry Beauclerc e para a sua rainha Adelais no começo do século XII.

Segundo esta versão, os aventureiros, São Brandão e 14 discípulos navegaram para oeste durante quinze dias a partir da Irlanda, após o que são empurrados pelas correntes até um rochedo onde encontram um palácio com comida e onde são visitados pelo Demónio, mas sem que este lhes faça algum mal. A seguinte viagem demora sete meses, numa direcção não assinalada, encontrando uma ilha onde abundavam os carneiros, quando se preparavam para cozinhar um deles, a ilha afundou-se, revelando tratar-se afinal, de um "animal", "Jasconius". Chegam depois a uma outra ilha onde os pássaros que a habitam se revelam como anjos caídos. Daqui tornam a navegar por mais seis meses onde encontram um mosteiro fundado por São Alben. Tornam a partir. Após algum tempo ficam presos numa duradoura calmaria, que durará sete meses, uma vez esta ultrapassada, chegam a uma ilha onde os peixes são venenosos devido aos minérios metálicos da dita, perigo de que tomam conhecimento através de um pássaro branco. Passam o Pentecostes sobre um grande monstro marinho, onde permanecem por sete semanas. Partem depois para paragens onde o mar está adormecido e onde o sangue lhes gela nas veias, "mais forte que 15 touros furiosos". Por vezes, na crista das vagas flutuam grandes nozes contendo um líquido semelhante ao leite. São perseguidos por uma serpente marinha que respira fogo. Em resposta a uma oração do santo surge um outro monstro que aniquila a serpente. De modo semelhante, mais tarde, um dragão salva-os de um grifo. Uma vez ultrapassadas estas vicissitudes, observam um enorme templo de cristal (provavelmente um iceberg). Aproximam-se depois de uma costa onde abundam fumos, chamas e forças maléficas. Um demónio sobrevoa a sua embarcacao e mergulha no mar. Encontram, no meio deste ambiente, uma ilha com uma montanha coberta por nuvens, onde se encontra a entrada para os Infernos, aqui perto encontram Judas em tormento. No dia seguinte encontram uma ilha com um eremita de barbas brancas, que os encaminha para a Terra Prometida, onde um outro homem santo os aguarda.

De novo, as ilhas voltam a aparecer. Uma está coberta de pradarias e jardins. Noutra, a ilha da esmeralda, crescem árvores de fruto e vinhas. São Brandão ruma ao norte. O Norte, os seus frios, as suas magias e o seu céu "com reflexos verde-pálidos, violeta e rosa desmaiado". À noite, "arcos luminosos aparecem sobre o veludo azul profundo do ceu". Uma igreja de cristal aparece à superfície das águas. Mais tarde, são os fumos e as chamas do Inferno, a Ilha dos Danados, na qual dois dos companheiros de Brandão perecem, mortos por demónios. São as últimas provações. Enfim, é a ilha das Maravilhas, "a terra prometida aos santos, aureolada por uma claridade de nacar". Tudo aí é paz e alegria. É o paraíso onde Brandão ficara 40 dias antes de voltar para a sua "Terra de Hibernia".

Nesta versão existem diversas passagens, como a referência ao frio extremo e ao templo de cristal, que parecem indicar uma navegação no Atlântico Norte. Humboldt, observando estas passagens, deduziu que o santo e os seus companheiros terão navegado pelos mares a norte da Irlanda. O geógrafo identifica a "Ilha dos Carneiros" da narrativa com as Faroe. (53)

EXPLICAÇÕES PARA A LENDA DE SÃO BRANDÃO

Uma das teorias que mais defensores tem colhido afirma que a lenda do Santo navegador é o produto da deformação de diversas viagens atlânticas nos mares da Irlanda em busca de um local apropriado para fundar um mosteiro, viagens que este santo terá realmente efectuado e que terão conduzido a fundação do mosteiro de Clonfert, um dos que o Santo terá criado.

Uma outra explicação passa pela associação deste santo irlandês às lendas pagãs da "Viagem de Bran", provávelmente a mais antiga das "Irish Imrama", das sagas marítimas irlandesas.

Apesar das indicações da versão normanda francesa que refere uma navegação em paragens oceânicas nórdicas, as outras versões apresentam o santo procurando uma ilha paradisíaca, referida sempre como "quente", não parece pois, provável, a sua navegação em outras águas que não as do Atlântico central e do sul. As menções são bastante claras: "Vast is the light and fruitfulness of the island".

Um conto fantástico? Sim, mas a realidade geográfica transparece por detrás das imagens e dos símbolos. A ilha dos Carneiros é uma das Feroe (Faeroer, em dinamarquês, é "ilha dos Carneiros"). O inferno é um vulcão da ilha Jan Mayen na Islândia. A igreja de cristal é, evidentemente, um icebergue e os arcos luminosos no céu são a aurora boreal. Os demónios que matam dois dos companheiros de São Brandão são muito provávelmente ursos brancos. Quanto às nozes contendo leite açúcarado, elas lembram curiosamente os cocos,o que poderia significado que Brandão teria descido para sul, chegando até à latitude das Canárias.

AS VIAGENS DE SÃO BRANDÃO NA CARTOGRAFIA

O MAPA HEREFORD DE CIRCA 1275

A primeira representação cartográfica da ilha de São Brandão surge neste mapa (54),com a seguinte inscrição: "Fortunate Insulae sex sunt Insulae Set Brandani.", inscrição que surge associada a uma ilha por volta da posição correcta das Canárias. Esta associação entre as Ilhas Afortunadas e a Ilha de São Brandão lembra-nos a narrativa de Edrisi (de 1154): "As Ilhas Afortunadas são duas em número e estão no Mar da Escuridão", provavelmente o autor pensava em Lanzarote e a Fuerteventura, as duas ilhas canarinas mais acessíveis à navegação. Um mapa, bastante mais antigo, o de "Beatus" (sic) (55), menciona também as Ilhas Afortunadas, mas não refere nenhuma Ilha de São Brandão.

Frei Espinosa (56) deu continuidade a uma lenda que no seu tempo corria no arquipélago canarino, por volta de 1580 escreveu este autor que São Brandão e os seus companheiros passaram alguns anos naquele arquipélago, localizando essa estadia na "época do imperador Justiniano". Esta lenda enraizou-se tão profundamente, que mesmo no século XVIII, se teria procurado, nos arredores das Canárias, a ilha descoberta por São Brandão.

O MAPA DULCERT DE 1339

O segundo registo cartográfico aparece num portulano de Angelinus Dulcert, de 1339. Neste portulano, três ilhas aproximadamente na mesma posição do arquipélago da Madeira surgem com a legenda: "Insulle Sa Brandani siue puelan."

O MAPA PIZIGANI DE 1367

Neste mapa dos irmãos Pizigani surge uma legenda pouco clara: "Ysole detur sommare sey ysole pone + le brandani.", que Babcock traduz por "islands called of slumber or the islands of St. Bradan." Se o texto levanta algumas dúvidas a inserção da figura de um monge sobre a ilha dissipa qualquer dúvida quando à identificação desta ilha com a Ilha de São Brandão.

No grupo de ilhas figurado neste mapa, a maior, que possuí a dita legenda, recebe a designação de "Canária", as desertas aparecem em dimensões maiores do que as reais sob o nome de "Capirizia", a ilha de Porto Santo não recebe aqui qualquer denominação.

O MAPA BECCARIO DE 1426 E OUTROS

O mapa de 1426 desenhado por Battista Beccario incluí a legenda: "Insulle fortunate santi brandany". Como pequenas variações este nome é aplicado à ilha da Madeira por Pareto (em 1455), por Benincasa (em 1482) e no mapa anónimo de Weimar que é datado por uns do ano de 1424, para outros pertencente ao intervalo de entre 1480 a 1490.

O MAPA DE BIANCO DE 1448

A Terceira, a maior ilha do arquipélago açoriano aparece neste mapa ostentando a legenda: "Ya Fortunat de sa. beati blandan." Apesar deste arcaísmo, o mesmo mapa indica Madeira, Porto Santo e a Deserta nos seus locais reais e com os nomes contemporâneos.

O GLOBO DE BEHAIM DE 1492

Este globo coloca a ilha de São Brandão numa posição inédita, nitidamente a ocidente de Cabo Verde, realçando esta localização ao colocar Antilia a seu norte. Possivelmente esta situação pode ter sido sugerida por uma linha costeira indefinida no mapa Bianco de 1448 que se encontra na sua posição aproximada. Aliás, também o mapa de Juan de la Cosa (de 1500) exibe a costa brasileira numa linha semelhante à do mapa de Bianco.

MAPA DE 1544 DE SEBASTIAN CABOT

Neste mapa a ilha de São Brandão é colocada na mesma região onde Cabot e o seu pai terão efectuado as suas navegações, ou seja, aproximadamente na mesma latitude dos estreitos de "Belle Isle".