ILHA BRAZIL

Parte do mapa catalão de 1375 que representa as ilhas de Mayda e Brazil.

 

A ilha de O'Brasil não deve ser confundida com terra do "pau-brasil" na América do Sul, Trata-se, de facto, da ilha das lendas Gaélicas, do Breizh-Il. Esta ilha mítica surge também com o nome Bracie, Berzil ou Brasil. É geralmente desenhada no meio do Atlântico, e aí que a encontramos no portulano mediceen de 1381 e na carta de Picignano (de 1367). Existem mesmo três nesta última carta: a primeira ao sul, sobre o paralelo de Gibraltar, a segunda a sudoeste da Irlanda, acompanhada por dois navios e por um homem devorado por serpentes; a terceira ao norte da precedente, com um monstro que engole um homem e possui a inscrição "ie de Mayotus seu de Bracir". A carta Catalã de 1375 e uma outra de 1384 chamam-lhe "Ie de Brazil", o mesmo nome aparece no portulano de Mecia de Vila Destes (de 1413), e as cartas de Andrea Bianco (de 1436) e de Fra Mauro (de 1457), sempre figurada a oeste da Irlanda. Encontramo-la na mesma região num Ptolomeu de 1519, num Atlas da Biblioteca de medicina de Montpellier, desenhado pouco depois da viagem de Magalhaes e no Ramusio de 1556. Um século e meio depois da colonização dos Açores continuava-se a colocar uma Ilha do Brasil a oeste ou a nordeste do Corvo. Os Atlas de Ortelius e de Mercatur registam ainda esse nome. A lembrança desta ilha mitológica é ainda hoje conservada na "Brazil Rock", rochedo situado a oeste da extremidade mais ocidental da Irlanda.

Será a ilha do Brasil a América do Sul? Sigismond Hadelich tentou provar isso mesmo usando passagens de Daniel Kimchi e de outros rabinos que os judeus, quatro séculos antes de Colombo já haviam estado na América. Por isso se falava já de Pau Brasil. Referência que aliás surge na "Crónica da Guiné" de Zurara. Este Pau Brasil era usado primeiramente para denominar uma certa madeira proveniente do Malabar e de Sumatra, e só depois é que surge aplicado às duras madeiras da Terra de Vera Cruz.

W. B. Babcock identifica a ilha Brazil, representada sempre a menos de cem milhas ao largo da Irlanda, com a Terra Nova, situada a 40 graus de longitude oeste a a 50 mais para Sul (93).

A primeira aparição da ilha surge no mapa de Angellinus Dalorto de Génova (de 1325). Aqui surge como uma ilha de grandes dimensões de forma discóide, a ilha estava localizada no oceano Atlântico na latitude do Sul da Irlanda. No mapa português designado por "Egerton 2303" (de 1508-1510) mostra uma ilha "Bracil" ao largo de Galway.

ORIGEM GAÉLICA DA PALAVRA "BRAZIL"

São numerosas as formas que a palavra assume nas diversas fontes cartográficas: Brasil, Bersil, Brazir, O'Brazil, O'Brassil, Breasil. Como nome próprio foi relativamente comum na Irlanda desde tempos remotos, o santo irlandês Brecan (480 a.C.), tinha como nome anterior Bresal. Breasil surge também como uma divindade na "History of Galway" de Hardiman.

A relação entre a Irlanda e as ilhas míticas do Atlântico está bem patente no mapa de Fra Mauro de 1459 onde está desenhada uma ilha de nome Brazil com a inscrição: "Queste isole de Hibernia son dite fortunate", ou seja, classificando-a como uma das "ilhas afortunadas".

Mapa Catalão aproximadamente de 1480 mostrando Brazil e Illa Verde.

 

OUTRAS ORIGENS DA PALAVRA "BRAZIL"

Na Alta Idade Média a palavra surge associada à madeira vermelha. Segundo Humboldt a sua origem radicaria na palavra de origem árabe, com o mesmo significado, "bakkam". Este geógrafo chamava a atenção para o francês "braise", o português "braza" e "brazeiro", o castelhano "brasero", o italiano "braciere", todas elas palavras relacionadas com fogo.

A primeira referência documental a esta palavra surge num tratado comercial de 1193 assinado entre o Duque de Ferrara, na Itália, e um seu vizinho, que incluí "grana de Brasill" entre uma lista de diversos produtos como incenso, indigo (57). A mesma frase se repete "grão de Brazil"ínuma Carta do mesmo país cinco anos mais tarde. A repetida menção em documentos de teor público indica tratar-se de um artigo comercial vulgar no século XII. Possivelmente, podemos encontrar uma explicação em Marco Polo, sobre Lambri, no distrito de Sumatra, escreve: "They also have brazil in great quantities. This they sow, and when it is grown to the size of a small shoot they take it up and transplant it; then they let it grow for three years, after which they tear it up bt the root".

Outras referências a "Brazil" aparecem nas escalas dos portos de Barcelona e de outras cidades maritimas no século XIII, compilados por Capmany (58). Em 1221 encontramos "carrega de Brasill", em 1243 "caxia de bresil" e, em 1252, "cargua de brazil". Em 1312, na cidade de Dublin, surgem as palavras: "de brasile venali" (59).

Admite-se que a palavra se refira a um tipo específico de madeira, ou a madeira em geral. Palavras como "carrega", "caxia", "cargua", indica que se tratava de um produto que era colocado em caixas.

A ILHA BRAZIL NA CARTOGRAFIA

O mapa de Pizigani de 1367 mostra a ilha na sua original forma discóide a Oeste da Irlanda, uma legenda indica o seguinte: "Ysola de nocorus sur de brazar". No mapa Bianco de 1448 surge a enigmática inscrição: "de Brazil de Binar", o que poderá ser lido como "Brazil dos dois mares" se colocarmos "m" no lugar de "n".

Mapa Dalorto de 1325 com Brazil, Daculi e outras ilhas imaginárias.

 

LOCALIZAÇÃO E FORMA DA ILHA

A forma circular da ilha do Brazil e sua posição a Oeste do Sul da Irlanda são comuns a diversos mapas, como o Dalorto de 1325, o Dulcert de 1339, o Laurenziano-Gaddiano de 1351, o Pizigani de 1367, o mapa anónimo de Weimar, provávelmente de 1481, o Giraldi de 1426, Beccario de 1426 e de 1435, Juan de Napoli de 1430, Bianco de 1436 e 1448, Valsequa de 1439, Pareto de 1455, Benincasa de 1482 e Juan de la Cosa de 1500. Também o interessante atlas veneziano de 1489, do Museu Britânico, mostra em quase todas as suas folhas dedicadas ao Atlântico, a ilha "Brazil", com a sua característica forma discóide, numa posição ao largo da Irlanda (92).

FORMA DA ILHA NO MAPA CATALÃO DE 1375

Este mapa apresenta uma novidade, convertendo a ilha circular numa ilha anelar que no centro apresenta uma lagoa com algumas ilhas. A explicação preferida consiste em relacionar estas ilhas interiores com a lenda portuguesa e espanhola das Sete Cidades. Mas aqui aparecem nove ilhas e não sete, por outro lado, a identificação mais comum consiste em associar Antilia com Sete Cidades, e não Brazil a esta outra ilha imaginária.

A mesma forma anelar com um lago interior com ilhas surge também num mapa do século XV copiado por Kretschmer (60). Mas este desenha somente sete ilhas o que vem reforçar os argumentos daqueles que estabelecem uma ligação entre Brazil e Sete Cidades.

IDENTIFICAÇÃO COM A REGIÃO DO GOLFO DE SÃO LOURENÇO

No Atlântico existe uma região com um extenso lago interior com ilhas. Esta região existe no local aproximado onde os mapas colocam a ilha Brazil. Trata-se do Golfo de São Lourenço. A própria entrada para o golfo existe sugerida numa divisão da ilha anelar de Brazil nos mapas de Prunes (de 1553) e Olives (de 1568).

Argumento decisivo é fornecido pelo mapa de Nicolay em 1560 e pelo de Zaltieri de 1566. Nestes, a ilha Brazil aparece claramente em águas americanas, incluída entre as ilhas em que então se supunha que a Terra Nova estivesse dividida.

MAPA CATALÃO DE CERCA DE 1480

Um mapa catalão é o único a mostrar uma parte da América, numa época anterior a navegação colombiana, o que indica que navegações dessa época tocaram o Norte da América e podem ter sido responsáveis pelo ecos cartográficos da ilha Brazil.

MAPA SYLVANUS DE 1511

Neste mapa o Golfo de São Lourenco é colocado quase tão perto da Irlanda como a ilha Brazil nalgumas representações cartográficas. Os nomes aqui referenciados são "Terra Laboratorum" e "Regalis Domus". Esta referência e a do mapa catalão de 1480 indicam claramente uma navegação ao norte do América anterior às de Cartier.

MAPA DE DALORTO DE 1325

Este mapa confunde a mítica ilha de Brazil com a ainda mais mítica ilha dos Mortos, acessível a alguns eleitos e que se desfazia no ar aos outros. Os atrevidos exploradores de Bristol (61) navegaram para ocidente em busca da ilha, terá sido esta tradição que influenciou Dalorto e produzido a representação no seu mapa do ano de 1325.

Mapa Pizigani mostrando São Brandão, Mayda, Brazll, Daculi e outras ilhas lendárias.

 

 

OMISSÃO NOS REGISTOS NÓRDICOS

É estranha a inexistência nas sagas norueguesas de referências à ilha Brazil, especialmente se tivermos em conta que a colonização da Groenlândia foi tão conhecida nas paragens meridionais.

Pela sua posição priveligiada os intrépidos irlandeses estavam particularmente bem colocados para terem largado das suas costas e tocado as costas da Terra Nova, pelo menos é o que nos é sugerido pela forma anelar da ilha com ilhotas no interior e pelo seu nome, óbviamente céltico.

EXPEDIÇÕES INGLESAS EM BUSCA DE BRAZIL E ANTILIA

Segundo o embaixador da Espanha em Inglaterra, os moradores de Bristol equipavam anualmente caravelas, entre 1491 e 1497, para irem em busca de Brazil e de Antilia. (99) Existem relatórios sobre o achamento da ilha Brazil nos séculos XVII e XVIII, e o Almirantado só em 1875 e que suprimiu dos seus mapas o "Monte Brazil". O próprio professor Westropp pensou vê-la a partir da costa da Irlanda em 1872 e os pescadores da ilha de Aran ainda hoje acreditam que ela se torna visível de sete em sete anos.

Provávelmente é a esta expedição dos moradores de Bristol que se refere o "Itinerarium" de William de Worcester: "A 15 de Julho de 1480, um navio pertencente a John Jay Junior, de 80 toneladas de carga, saiu de King's Road em Bristol, em busca da ilha do Brasil, para lá da parte ocidental da Irlanda [sob o comando de Thomas Lloyd], o mais experiente marinheiro de toda a Inglaterra, e a Bristol chegaram notícias na segunda-feira, dia 18 de Setembro, de que navegaram durante cerca de nove meses e não encontraram a ilha, antes foram forçados pela tempestade a recuar até um porto (...) na Irlanda para descanso dos barcos e dos marinheiros (118)".

SOBREVIVÊNCIA DO MITO NA CULTURA POPULAR CANARIANA ATÉ AO SÉCULO XVIII

Os habitantes das ilhas Canárias ainda procuravam a ilha mítica de San Borondon (São Brandão) no século XVIII, esperança que lhes era mantida pelas frequentes notícias de ter sido avistada (101).

SÃO TOMÉ NO BRASIL

Robert Southey na sua "História do Brasil" (120) refere uma curiosa história, relatada por Nóbrega, este jesuíta soube dos Tupinambás que duas pessoas, uma das quais chamavam Zome (Sume), lhes haviam ensinado o uso da mandioca. Os seus avós, contavam eles, desavieram-se com estes benfeitores e contra eles dispararam setas; mas as flechas voltaram para trás, acabando por matar os que as haviam despedido, e os rios separaram as suas águas para lhe darem passagem.

De Lery conta que um velho tupinambá, após ter ouvido uma exposição do sistema cristão dos franceses, afirmou que essa doutrina já aí tinha sido pregada, há tantas luas havia que o número se não podia recordar, por um estrangeiro vestido como eles, e também barbado. As suas palavras não foram, contudo, escutadas, e após ele veio outro, que entregou uma espada como sinal de maldição. (121)

Também Thevet descreve um Grão-Caraíba, que os índios tinham em tanta veneração como os turcos a Mafoma, que lhes teria ensinado o uso do fogo e o das raízes alimentícias. Robert Southey não hesita em identificar este figura com a do apóstolo São Tomé. (122)

COLONIZAÇÃO DO BRASIL POR ANDALUZES ?

Uma história muito estranha nos é contada por Frei Vicente do Salvador, na sua monumental "História do Brasil" (123), Frei Vicente terá lido esta lenda numa obra de um Diogo de Avalos, vizinho de Chuquiabue no Peru, a "Miscelânea Austral". Segundo este nas "serras de Altamira em Espanha havia uma gente bárbara, que tinha ordinária guerra com os espanhóis e que comiam carne humana, do que enfadados os espanhóis juntaram suas forças e lhes deram batalha na Andaluzia, em que os desbarataram e mataram muitos. Os poucos que ficaram, não se podendo sustentar em terra, a desampararam e se embarcaram pera onde a fortuna os guiasse, e assi deram consigo nas Ilhas Afortunadas, que agora se chamam Canárias, tocaram as de Cabo Verde e aportaram no Brasil. Sairam dois irmãos por cabos desta gente, um chamado Tupi o outro Guarani; este último, deixando o Tupi povoando o Brasil, passou a Paraguai com sua gente e povoou o Peru."

Esta lenda pode ter tido origem numa deformação do relato da fuga dos visigodos, comandados por sete bispos, que se terão refugiado numa ilha dita das "Sete Cidades". A referência ao canibalismo poderá ter a sua razão de ser devido a uma procura das origens do canibalismo Tupi. Se assim fôr, trata-se de uma lenda muito deturpada e nada faz crer na sua realidade histórica.